quinta-feira, 18 de abril de 2013

Análise do conto “Primeiro Dia”


 Primeiro Dia
                                                                              Márcia Carrano


"Primeiro dia de aula. Pastinha na mão, laço de fita no cabelo e a vontade de descobrir o mundo. O que havia lá fora? O mesmo aconchego da casa de mãe, pai e irmãos? Lá fora... muita gente e ela sozinha ou muita gente e ela também?
Partiu como um novo cabral*. Menininhas engomadinhas rezando e rezando uma vida inteira para o Deus que ninguém via. 
Perto da capela, um bebedouro engraçado. A gente aperta e a água espirra. Água gloriosa se elevando a alturas desconhecidas. Maravilha! Mundo interessante este da escola. com água dançando no ar e na boca. 
— Onde já se viu! Hora de rezar...
Primeiro dia de promessas desfeitas. A menina saía da capela e a puxavam de volta. Nada de água dançando, espirrando, numa deliciosa festa de descoberta. 
 Mamãe, nunca mais vou à escola.
— Por quê, filha?
— Não deixam a gente beber água.
E não voltou mesmo, a não ser muitos anos depois, com lágrimas nos olhos — água que aprendera a fabricar."


 
No conto em questão, é possível perceber dois momentos distintos. O primeiro é aquele em que a menina chega à escola, cheia de dúvidas sobre como será seu dia, se estará ou não sozinha, se haverá aconchego ou não. Este é o momento da descoberta, em que ela vai percebendo aos poucos que a escola não é como a própria casa. O segundo momento é quando a menina vai para casa e mostra-se decidida a não mais voltar à escola, pois não a deixaram beber água na hora da oração. A menina fica traumatizada e não quer mais frequentar aquela escola. 
O conflito expresso na narrativa é o da adaptação (ou não-adaptação) da menina à escola, um “novo” mundo. Por um lado, a menina vai à escola como uma criança, pensando que tudo é festa e que pode “brincar” com a água na hora que quiser e, por outro lado, a menina se vê perdida diante daquelas regras que eram, por ela, desconhecidas. Isso fica explícito em: “Nada de água dançando, espirrando, numa deliciosa festa de descoberta”.
Pode-se dizer que há dois ambientes distintos no conto: a casa da menina, onde ela é feliz, tem aconchego familiar, vivendo com mãe, pai e irmãos, e a escola, onde ela encontra tudo diferente – não pode fazer o que quer na hora que der vontade. Há momentos exatos para beber água, para fazer a oração, para estudar... A escola é um mundo completamente diferente do que a menina estava acostumada a viver: um mundo cheio de regras que deveriam ser respeitadas.
O conto analisado apresenta verossimilhança, pois apresenta coerência nas frases do texto e há nexo, tudo se “encaixa”, fazendo sentido. A verossimilhança tem caráter interno e externo pois, internamente, é um texto coeso, coerente, e, externamente, é um texto que tem a ver com a realidade: o enredo é linear, a passagem do tempo é cronológica e os acontecimentos são fiéis aos acontecimentos do mundo real, isto é, pode acontecer realmente a ação do texto, não sendo apenas imaginária.    



*
Essa expressão significa que a menina partira como quem quer descobrir o mundo, em busca de aprendizado e de coisas novas, assim como fez Pedro Álvares Cabral ao descobrir o que era desconhecido pelos outros povos: o Brasil. A menina do texto fez como ele: foi destemida à procura de novidades, como é apresentado no trecho “A menina saía da capela e a puxavam de volta”.


Nenhum comentário:

Postar um comentário