quinta-feira, 18 de abril de 2013

Análise do poema “A Catedral”

A Catedral
Alphonsus de Guimaraens

Entre brumas, ao longe, surge a aurora,
O hialino orvalho aos poucos se evapora,

Agoniza o arrebol.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu risonho
Toda branca de sol.

E o sino canta em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"

O astro glorioso segue a eterna estrada.
Uma áurea seta lhe cintila em cada
Refulgente raio de luz.
A catedral ebúrnea do meu sonho,
Onde os meus olhos tão cansados ponho,
Recebe a benção de Jesus.

E o sino clama em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"

Por entre lírios e lilases desce
A tarde esquiva: amargurada prece
Poe-se a luz a rezar.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu tristonho
Toda branca de luar.

E o sino chora em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"

O céu e todo trevas: o vento uiva.
Do relâmpago a cabeleira ruiva
Vem acoitar o rosto meu.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Afunda-se no caos do céu medonho
Como um astro que já morreu.

E o sino chora em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"


O poema acima, de Alphonsus de Guimaraens*, desde o início é remetido à lembrança da mulher amada, Constança, o que se mostra logo na primeira estrofe: “entre brumas, ao longe, surge a aurora / o hialismo orvalho aos poucos se evapora”. Neste fragmento, o autor  faz o uso de palavras ligadas à claridade, ao raiar do dia, visto que ele está despertando após ter tido um sonho com sua amada.
É importante observar o refrão do sino cantando o que representa a alma do eu lírico – ele é feliz pelas boas lembranças que guarda da amada e por vê-la em sonhos, mas triste por não mais poder estar com ela de fato, já que está morta.
Constança é representada pela catedral em todas as estrofes, sendo que ela “aparece, na paz do céu risonho / toda branca de sol” e “recebe a benção de Jesus”.
Nos versos “A catedral do meu sonho / aparece, na paz do céu tristonho / toda branca de luar” a amada é ainda vista como símbolo de perfeição e pureza, entretanto, algo ocorre com o ”céu risonho” de antes, que se torna “céu tristonho”.
Por fim, “o céu é todo trevas: o vento uiva / do relâmpago a cabeleira ruiva / vem açoitar o rosto meu”, o que demonstra que o eu lírico está, de fato,  acordado, não mais confundindo o sonho com a realidade. A catedral, ou seja, a imagem da amada, “afunda-se no caos do céu tristonho / como um astro que já morreu”.
Deve-se notar, ainda, a escala que o poeta monta em seu poema, começando por “o sino canta em lúgubres responsos”, perpassando por “o sino clama (...)” e “o sino chora (...)”, mostrando como está, ao longo do poema, o estado de alma do poeta – no final, ele já não mais canta, ou clama, ou chora. Ele “geme” pela falta da mulher amada.      


 Vale ressaltar a escolha pelo título do poema,
“Catedral”, que é feita intencionalmente pelo autor a fim de nos remeter a uma visão de religiosidade, uma vez que catedral é um local onde há a busca pelo divino, pela religião, sendo este tema recorrente em sua poesia simbolista**.
Ao longo do poema, podemos perceber algumas figuras de linguagem. Entre elas, destacam-se a
aliteração, a proposopeia e a onomatopeia.
Como exemplo da primeira, referente aos sons repetidos de consoantes, pode-se citar “lírios” e “lilases”, em que há a repetição da consoante “L”.
Exemplificando a segunda figura, pode-se citar “(...) paz do céu risonho (...)”, em que o substantivo “céu”, se inanimado, adquire características humanas: o riso.
Pode-se considerar como exemplo de
onomatopeia o refrão do poema: “Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”, em que o eu poético acredita estar ouvindo o sino da catedral bater dizendo-lhe estas palavras – que se referem à morte da amada Constança, fato que acompanha Alphonsus e sua obra por toda a vida.


* Alphonsus de Guimaraens - poeta simbolista brasileiro cuja poesia 
é quase toda voltada para a morte da mulher que amava, Constança.
** Simbolismo - escola literária do final do século XIX em oposição ao Realismo cujo início no Brasil foi em 1893, com a publicação de "Missal" e "Broqueis", de Cruz e Sousa.

9 comentários:

  1. Perdoe-me a correção, mas é necessário analisar também a passagem de um dia e sua associação com o estado de alma do eu lírico. Cada estrofe representa um período do dia (manhã - meio-dia - tarde e noite) e os verbos que aparecem nos dísticos, demonstram o estado de tristeza e melancolia vivido pelo eu lírico,que neste caso é o próprio autor. ( canta,clama, chora e geme) Ou seja, seu estado de tristeza aumenta a cada minuto do dia. Abraços!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Excelente percepção. Concordo com toda a observação. Obrigada pela contribuição!

      Excluir
    2. Ainda vou além: cada momento do dia equivale a um tempo no correr da vida: infância, idade adulta, velhice e morte.

      Excluir