sexta-feira, 19 de abril de 2013

Análise do texto narrativo "História para o Flávio"


História para o Fl
ávio
Raquel de  Queiroz


      "Morava na serra do Estevão um velho por nome Luiz Gonçalves, caçador e famoso matador de onças. Fazendo as contas, dizia que só de onça tigre já matara onze, das pixunas vinte e seis, das pintadas quarenta; maçaroca, suçuarana, onça-vermelha nem contava – para ele já nem era onça, era gato. (...)
      Mestre Luiz queria bem a duas coisas no mundo: à sua espingarda Lazarina, que nunca lhe fizera uma vergonha, e ao seu filho Luizinho, agora com quinze anos, e que o pai andava ensinando nas artes de caçador. (...)
      Ora, um dia mestre Luiz recebeu recado do Coronel Zé Marinho do Barro Vermelho para que fosse matar uma pintada que lhe andava comendo os carneiros e até mesmo se atrevera a sangrar um bezerro no pátio da fazenda. (...) assim que a noite fechou, ele amarrou um cabrito mesmo no pé do serrote onde suspeitava mais que a pintada morasse, e ficou na espera junto com o Luizinho e o cachorro onceiro.
      (...) até que, com uma hora de escalar serrote, deu de repente com a entrada da furna.
      O cachorro pôs-se a gemer, ansioso, e lá de dentro o esturro da bicha acuada foi respondendo. Mestre Luiz preparou a forquilha, o chuço, a faca. Mas quando se voltou para chamar o Luizinho, viu que o menino apavorado se encolhia num esconderijo de pedra, amarelo de medo.
      Aí deu no velho uma raiva danada e ele resolveu ensinar o filho de uma vez por todas. Chamou de manso:
      - Vem cá Luiz, não tem medo, quem vai matar a onça sou eu.
      Depois de muito rogo o menino se chegou, tremendo. O velho de sopetão jogou as armas na boca da furna, e com um pescoção empurrou para dentro Luizinho. Pegou um pedaço de laje, tampou a entrada da lapa e gritou para o rapaz:
      - Filho meu não tem medo de onça, seu mal ensinado! Vou voltar para minha rede na espera, e não me apareça de volta sem levar o couro da pintada!
      Realmente, ao raiar do dia Luizinho apareceu. No ombro trazia as armas, no chão arrastava o couro da onça. Tinha a cara tão lanhada das unhas da fera que quase não se lhe via a feição. A roupa virara molambo, o chapéu se perdera. Quando ele viu o pai, foi levantando a mão para tomar a bênção. Mas no meio se arrependeu.
      - A bênção não senhor, que eu nunca mais lhe tomo a bênção. Bênção se toma a pai, e quem tranca o filho numa furna com uma onça não é pai, é carrasco! Taí o couro da pintada. E o senhor arranje outro, porque nunca mais me verá.
      Dito isso rebolou o couro nos pés do velho, deu meia-volta e saiu correndo, sem nem ao menos olhar para trás. (...)"



                   Análise das fases da narrativa


Manipulação: Fase em que a personagem induz a outra a fazer alguma coisa. O que vai fazer precisa querer ou dever;
(...) Chamou de manso: 
- Vem cá Luiz, não tem medo, quem vai matar a onça sou eu.

  Depois de muito rogo o menino se chegou, tremendo. O velho de sopetão jogou as armas na boca da furna, e com um pescoção empurrou para dentro Luizinho(...)."

Competência: Fase em que o sujeito do fazer adquire um saber e/ou um poder;
“(...) Realmente, ao raiar do dia Luizinho apareceu. No ombro trazia as armas, no chão arrastava o couro da onça(...)”  (grifo meu).
De acordo com o trecho acima, percebemos que houve uma competência por parte de Luizinho, marcada pelo fato de ele ter chegado com a onça arrastada no chão, subentendendo, portanto, que ele realizou a ação, o que também pode ser comprovado pelo marcador linguístico ''realmente'' que ele, de fato, realizou o ato.

Performance: Fase em que o sujeito do fazer executa a ação;
Inicialmente, a performance é atribuída a Luiz, pois ele recebe um recado do coronel para que fosse matar a onça que estava prejudicando sua fazenda. A partir do momento em que Luizinho é trancado por seu pai na lapa junto com a onça, a performance passa a ser dele (Luizinho), pois para sair dali ele deveria matar a onça.

Sanção: Fase de castigo ou recompensa, dependendo da performance;
“Quando ele viu o pai, foi levantando a mão para tomar a bênção. Mas no meio se arrependeu. - A bênção não senhor, que eu nunca mais lhe tomo a bênção. Bênção se toma a pai, e quem tranca o filho numa furna com uma onça não é pai, é carrasco! Taí o couro da pintada. E o senhor arranje outro, porque nunca mais me verá.
Dito isso rebolou o couro nos pés do velho, deu meia-volta e saiu correndo, sem nem ao menos olhar para trás. (...)"
A recompensa, neste caso, foi dada pelo fato de Luizinho ter tomado sua própria decisão de continuar sua vida sem que seu pai prosseguisse dominando-o e coordenando cada passo que ele desse. Desta forma, Luizinho cria coragem e adquire sua própria “liberdade”.


               Análise dos elementos da narrativa


Enredo: é o conjunto de fatos ligados entre si que fundamentam a ação de um texto narrativo. No texto apresentado, temos:
Situação inicial: Um caçador famoso e seu filho de quinze anos vivem na serra do Estevão.
Quebra da situação inicial: O dia em que Luiz recebeu recado do coronel Zé Marinho do Barro Vermelho para matar uma onça que estava comendo carneiros em sua fazenda.
Desenvolvimento da história: O desenvolvimento começa quando mestre Luiz e seu filho saem em busca da onça e vai até o momento em que mestre Luiz percebe que o filho está com medo.
Conflito: A descoberta, por mestre Luiz, de que Luizinho estava com medo da onça.
Clímax: Quando mestre Luiz empurra Luizinho para dentro da lapa e, com isso, faz indiretamente com que o garoto enfrente seu medo da pior forma.
Solução do conflito: Luizinho vence a onça e desaparece no mundo. Nota: a solução do conflito não significa a solução do conflito entre as personagens.

Tempo em uma narrativa pode ser definido como a duração da ação. Pode ser cronológico ou psicológico. Neste caso, trata-se do cronológico.

Espaço é o lugar em que a narrativa ocorre.
De acordo com o texto, sabe-se que o espaço é uma serra em que havia uma caverna. Em relação ao tempo, sabemos que é cronológico, pois os fatos são apresentados de acordo com a ordem dos acontecimentos (evidenciado quando o mestre sobe a serra no início da noite e Luizinho aparece ao raiar do dia). 

Personagem é um ser criado para um texto narrativo. Pode simular as características de uma pessoa; pode ser animal, sentimento ou objeto personificado. 
Temos como personagens do texto Luiz Gonçalves, um famoso matador de onças e Luizinho, seu filho de quinze anos. Quando em um texto não se permite fazer descrições detalhadas (físicas e psicológicas) de seus personagens, a descrição do espaço e de características das personagens terá o papel de nos permitir imaginar como são, de fato, as personagens. Neste texto não há descrição física de Luiz nem de Luizinho, mas o relato do local em que vivem e da vida que levam nos dá a ideia de como eles são.

Narrador: é o dono da voz ou, em outras palavras, a voz que nos conta os fatos e seu desenvolvimento. Na narração em 3ª pessoa, o narrador não participa dos acontecimentos, mas observa tudo de fora da trama, como narrador onisciente, ou seja, aquele que conhece todos os fatos.  É o caso do texto de Rachel de Queiroz, "História para o Flávio’’. Observe que o narrador relata, à margem dos fatos, as ações das personagens.

                             Oposição Básica

    A oposição básica do texto é o querer do Luiz, que se difere do querer de seu filho, Luizinho.
    Luiz é matador e não demonstra medo de nada. Está explícito no texto que sua vontade era que Luizinho fosse tão corajoso quanto ele era. Através dos trechos a seguir isso fica bem claro:
 ’ - Vem cá Luiz, não tem medo’’;
 ‘’ - Filho meu não tem medo de onça!’’.

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