quarta-feira, 31 de julho de 2013

Uso: dia a dia OU dia-a-dia?

Um jornal publicou o seguinte título na capa do caderno de variedades:

Televisão: realities discutem o dia-a-dia sustentável.

Ocorre que esse jornal, como todos os grandes periódicos brasileiros, já aderiu ao Acordo Ortográfico, mas o redator se distraiu em relação ao substantivo masculino composto "dia a dia" e o manteve com os hifens, que já perdeu. O substantivo "dia a dia" significa a sucessão dos dias, a labuta diária, o viver cotidiano, a rotina. Como nestes exemplos:

As denúncias fazem parte do dia a dia do Congresso.
O dia a dia de Ronaldinho é muito agitado.
O Suplicy tem um dia a dia cheio de entrevistas.


Antes do Acordo, esse substantivo tinha hifens para não se confundir com a expressão adverbial "dia a dia", que significa diariamente, dia por dia, cada dia, todos os dias, como nestes exemplos:

Com a crise, a vida fica dia a dia mais difícil.
O prestígio do Congresso está crescendo dia a dia.
Dia a dia, o Costa assume novos compromissos.


Note-se que o substantivo "dia a dia" é sempre determinado por um artigo ou outro especificador: o dia a dia, um dia a dia, este dia a dia, aquele dia a dia.
Fica claro que tais determinantes não se encaixam no emprego da locução adverbial
"dia a dia", que se refere sempre a um verbo, a um adjetivo ou a outro advérbio. Convém lembrar que locução é um conjunto de palavras que equivale a um só vocábulo, como bem lembra o Houaiss.
Portanto, "dia a dia", em qualquer acepção, perdeu os hifens, assim como todas as locuções, não importa de que natureza, fora algumas exceções "já consagradas pelo uso". Considerando a imprecisão quase cômica da expressão "já consagradas pelo uso", o professor Bechara e a comissão de lexicografia da ABL resolveram limitar as exceções às lembradas pelos redatores do Acordo: água-de-colônia, arco-da-velha, cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, ao deus-dará, à queima-roupa. Por isso é que essas são as únicas registradas no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP).
Se na locução houver algum elemento que já tenha hífen, ele será conservado, como exemplifica o Acordo: à trouxe-mouxe, cara de mamão-macho, bem-te-vi de igreja.
O fato é que, se houver dúvida, e em relação ao emprego do hífen sempre haverá alguma, convém verificar o VOLP ou os melhores dicionários.



MACHADO, Josué Rodrigues Silva. Língua sem vergonha - Rio de Janeiro: Record, 2011.

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dicionários.

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