quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Análise do poema "Igual-Desigual"

Igual – Desigual
Carlos Drummond de Andrade


Anjo és tu, que esse poder
Jamais o teve mulher,
Jamais o há-de ter em mim.
Anjo és, que me domina
Teu ser o meu ser sem fim;
Minha razão insolente
Ao teu capricho se inclina,
E minha alma forte, ardente,
Que nenhum jugo respeita,
Covardemente sujeita
Anda humilde a teu poder.
Anjo és tu, não és mulher.

Anjo és. Mas que anjo és tu?
Em tua frente anuviada
Não vejo a c'roa nevada
Das alvas rosas do céu.
Em teu seio ardente e nu
Não vejo ondear o véu
Com que o sôfrego pudor
Vela os mistérios d'amor.
Teus olhos têm negra a cor,
Cor de noite sem estrela;
A chama é vivaz e é bela,
Mas luz não tem. - Que anjo és tu?
Em nome de quem vieste?
Paz ou guerra me trouxeste
De Jeová ou Belzebu?

Não respondes - e em teus braços
Com frenéticos abraços
Me tens apertado, estreito!...
Isto que me cai no peito
Que foi?... Lágrima? - Escaldou-me
Queima, abrasa, ulcera... Dou-me,
Dou-me a ti, anjo maldito,
Que este ardor que me devora
É já fogo de precito,
Fogo eterno, que em má hora
Trouxeste de lá... De donde?
Em que mistérios se esconde
Teu fatal, estranho ser!
Anjo és tu ou és mulher?


* gazéis, virelais, sextinas e rondós: tipos de poema.


O título Igual-Desigual refere-se inteiramente aos versos dispostos no poema de Drummond da seguinte forma: "iguais" são os fenômenos diversos aos quais o eu lírico faz menção - as histórias em quadrinho; os filmes norte-americanos; as guerras do mundo -; "desiguais" é um termo que refere-se unicamente ao homem, ao ser humano, que é diferente um do outro, sendo, portanto, um "estranho ímpar". 
O poema de Carlos Drummond de Andrade se caracteriza por uma repetição considerada estilística, porque é claramente feita para produzir um sentido de constatação da igualdade entre fenômenos diversos. Isso foi feito a partir do uso da figura de linguagem anáfora (repetição de palavras em início de versos) e epífora ou epístrofe (mecanismo simétrico ao da anáfora, mas em que a repetição se verifica no fim de versos), em que o autor enumera produtos, comportamentos e sentimentos para dar a tal ênfase dita anteriormente.
Na primeira estrofe, quando se diz "e todos, todos os poemas em verso livre são enfadonhamente iguais", o poeta faz uso da figura de linguagem antítese, figura que consiste em aproximar palavras ou expressões de sentido contrário. Isso é explicado da seguinte forma: por não estar sujeito a regras métricas de versificação, o verso livre deveria exprimir a sensação de liberdade do poeta que desejava escapar aos padrões rígidos do academicismo conservador. No entanto, Carlos Drummond observa que até mesmo os poemas que adotam esse procedimento são “enfadonhamente iguais”, gerando a dita antítese.
A intensificação da repetição do termo "iguais" em um mesmo verso (3º da segunda estrofe), relacionado a "amores", enfatiza determinada crítica que o poeta pretende fazer dirigida às relações amorosas, no que diz respeito à padronização, à uniformização das mesmas.
Sobre o elemento coesivo "contudo", encontrado logo ao fim da segunda estrofe, é utilizado para dar o sentido de ideia contrária ao que se foi dito, proporcionando um sentido de adversidade: o homem, ao contrário de todos os fenômenos diversos constatados como "iguais", "não é igual a nenhum outro homem, bicho ou coisa". 
Ao final do poema, tem-se a afirmação, no último verso, de que "Todo ser humano é um estranho ímpar". Com relação a isso, pode-se dizer que, no contexto, a associação dos adjetivos "estranho" e "ímpar" sugere que cada ser humano não se conhece completamente. Isto acontece porque cada indivíduo pode ser caracterizado não como solitário e indiferente, mas como singular e único.

Um comentário:

  1. Moça poderia me ajudar com uma dúvida ? como relacionar e comparar a poesia igual e desigual com a situação na faixa de gaza ? Se não puder responder mesmo assim agradeço ! :)

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