quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Análise do poema "Ó Retrato da Morte, ó Noite Amiga"

Ó Retrato da Morte, ó Noite Amiga
Manuel Maria Barbosa du Bocage


Ó retrato da morte, ó noite amiga 
Por cuja escuridão suspiro há tanto! 
Calada testemunha do meu pranto, 
De meus desgostos secretária antiga! 

Pois manda Amor, que a ti somente os diga, 
Dá-lhes pio agasalho no teu manto; 
Ouve-os, como costumas, ouve, enquanto 
Dorme a cruel, que a delirar me obriga: 

E vós, ó cortesãos da escuridade, 
Fantasmas vagos, mochos piadores, 
Inimigos, como eu, da claridade! 

Em bandos acudi aos meus clamores; 
Quero a vossa medonha sociedade, 
Quero fartar meu coração de horrores. 

Bocage é um dos poetas mais populares da Literatura Portuguesa, e o destaque de sua obra vai para a poesia lírica, especialmente a realizada nos sonetos. Acredita-se que a poesia de Bocage apresenta uma bifurcação em dois ramos distintos, sendo, o primeiro deles, o fato de submeter-se a determinadas características do Neoclassicismo: a conservação do apuro formal (era um excelente sonetista) reafirma essa ideia; outra característica marcante deste ramo é o gosto pelo bucolismo. Há, ainda, o segundo ramo a se analisar: diz-se que, neste contexto, Bocage se enquadra em um arquétipo moderno ou romântico, um homem que é, agora, rebelde às convenções clássicas, um ser egocêntrico e individualista.
Com relação ao poema acima, pode-se tecer os seguintes comentários: relacionando o soneto com o primeiro ramo da bifurcação descrita acima, diz-se que nele não há muito de árcade, apesar de seguir o padrão do soneto. No poema analisado, o que mais é ressaltado é o sentimento, a morte, o destino e a natureza, cujas ideias nos remetem ao segundo ramo da poesia de Bocage.
É possível dizer que há valorização do sentimento e da emoção, em detrimento da razão. Observe no uso de palavras como "amor", "coração", "suspiro", "delirar". Há, também, o desespero íntimo, que o conduziu à preferência por imagens macabras e situações tétricas. Isso é observado na substituição do "locus amoenus" (lugar ameno) por "locus horrendus" (lugar horrível) nas seguintes expressões: "escuridão", "medonha sociedade", expressões estas que fazem estreita relação com seu impulso para a solidão, que o levou a escolher lugares ermos e a preferir a paisagem noturna. Exemplos disso são: "Ó noite amiga por cuja escuridão suspiro há tanto". Tal passagem nos mostra com clareza sua preferência pelo ambiente noturno, pela solidão, outra característica que Bocage incorpora em seus sonetos deste ramo.
O arrebatamento e o senso de auto-dilaceração demonstram o quanto sua poesia antecipa a atmosfera lúgubre e noturna dos ultrarromânticos. Também o uso dos vocativos - "ó retrato"; "ó noite", "ó cortesãos" - extrapola o equilíbrio e a contenção próprias de um texto neoclássico

4 comentários:

  1. bela analise. na verdade a solidão e o intimismos conduzem os poetas a grandes realizacoes, portanto, ao critico literario cabe a busca destes elementos extra-textuais para a devida compreensão dos textos literários principalmente quanto se trata de formas poéticas. gostei da forma como o analista descodificou as palavras que compoem este magnifico texto

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  2. bela analise. na verdade a solidão e o intimismos conduzem os poetas a grandes realizacoes, portanto, ao critico literario cabe a busca destes elementos extra-textuais para a devida compreensão dos textos literários principalmente quanto se trata de formas poéticas. gostei da forma como o analista descodificou as palavras que compoem este magnifico texto

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  3. Na segunda estrofe, o que seria "a cruel" ?

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